28 de mai. de 2015

DA SACADA DO GOETHE

essa noite vi dois personagens ilustres
da poesia brasileira:

do outro lado da rua
estava o homem revirando o lixo,
de Manuel Bandeira.
e do lado do amontoado de sacos de plástico pretos
despejados pela lanchonete da esquina,
havia um alto prédio sendo erguido.
lá em baixo, revirando o cimento,
o operário em construção,
de Vinícius de Moraes.

lado a lado,
sem se perceberem,
estavam
o homem devorando o lixo
e o homem revolvendo o cimento.
da sacada do Goethe-Institut
eu podia ver tudo.

o primeiro homem termina sua refeição
e cata um jornal em outro saco,
abre, dá uma olhada rápida,
e limpa as mãos.
o homem do cimento
ainda não terminou seu turno
- não observei se usava luvas.
continuo fumando meu cigarro
- revolver poesia não suja as mãos.

a fumaça entra carregada de uma estranha tristeza
nos meus pulmões
- como poderia o operário dizer “não”?
não há lixo para todos.
es gibt keinen Müll für alle.

“Arbeit macht frei”
nos campos de Auschwitz
quem poderia dizer “nein”?

eles caminham em silêncio para a morte,
enquanto eu aprendo a dizer o intolerável
em várias línguas:
soziale Ungleichheiten. 

a impossibilidade da poesia.


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